Uma nova Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial vai salvar empresas?
Reformar a Lei 11.101/2005 não trará resposta para nossos problemas se, ao mesmo tempo, não fizermos mudanças mais profundas
Reformar a Lei 11.101/2005 não trará resposta para nossos problemas se, ao mesmo tempo, não fizermos mudanças mais profundas
Imagine um carro esportivo de última geração, com motor superpotente, quase tocando o chão, zero quilômetro, cheirinho de novo, pronto para rodar! Agora, pense em uma estrada de chão, dessas que levam a destinos rurais — off road mesmo. Dá para usar o carrão nessa pista? Claro que não! A pergunta é tão retórica quanto caricatural. Serve apenas para promover uma reflexão: do que adianta termos a melhor máquina, se as condições de uso não forem adequadas?
É isso que vivemos quando falamos em recuperação de empresas no Brasil, pela aplicação dos meios previstos na Lei 11.101/2005. Temos uma das leis mais modernas do mundo, inspirada em países desenvolvidos — como os Estados Unidos —, mas a nossa cultura jurídica não acompanha. Resultado: nossos indicadores não são bons e precisam, urgentemente, ser melhorados.
E o que impede a aderência dos instrumentos legais à realidade? As razões são inúmeras, mas vou me concentrar naquela que entendo ser a mais visceral: a cultura do litígio. No Brasil, dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no último relatório chamado Justiça em Números, dão conta de que encerramos o ano de 2019 com impressionantes 77,1 milhões de processos judiciais em tramitação. Considerando a população total estimada pelo IBGE para 2020 — que aponta 211,8 milhões de habitantes —, há 0,36 processo per capita. Se observarmos que as ações, em geral, têm duas partes, praticamente 72% dos brasileiros podem estar envolvidos em questões judiciais.
Esse indicador funciona como um forte argumento para mostrar a dependência da sociedade em relação ao Poder Judiciário para resolver questões que, muitas vezes, poderiam ser solucionadas com uma boa conversa e facilitadas por um profissional habilitado — como um mediador, por exemplo. Já há claros incentivos para que essa postura mude espalhados por todas as normas legais.
No campo da crise empresarial, também somos judiciário-dependentes. A cultura de judicializar a crise nos levou ao não uso de instrumentos importantíssimos, como a recuperação extrajudicial. A recente reforma da Lei 11.101/2005, de dezembro do ano passado, é claramente comprometida com o incentivo à negociação e à autocomposição entre as partes. Há novas oportunidades, como as mediações pré-processuais. O que se busca é que o devedor em crise e seus credores resolvam, juntos, as dificuldades da empresa, porque é do interesse de todos a preservação da atividade econômica viável.
Se não nos libertarmos do atual padrão de litigiosidade, em que a recuperação judicial é pensada por muitos como a primeira opção de solução de crise, seremos como o motorista do carro esportivo. Por conta de uma estrada que não lhe serve para muita coisa, não consegue chegar ao seu destino.